quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

A Jornada de Esperança – Parte I

A Cópia do Marechal

Sinuhe olhava atentamente para seu console. Ali brilham os números que demonstram quantas vidas inteligentes estão salvas no banco de dados de Esperança – A última nave criada pelos seres nativos da galáxia anã de Nobiloria. Ela nada mais é que um gigantesco computador com capacidade de viajar no espaço. Um meio de fuga de um inimigo implacável que dominou todos os sistemas da galáxia.

Quase não existe mais formas de vida orgânicas entre aquelas estrelas. Tudo foi destruído e remodelado pela GOE - Grande Ordem Eletromecânica. Uma forma de vida artificial que exterminou seus criadores e se espalhou por aquele pequeno aglomerado de estrelas feito um câncer durante 20 séculos.

Sinuhe fora o capitão da nave até este momento. Agora deveria se juntar aos seus seis milhões de irmãos transformados em bits. A dez séculos atrás, seu povo descobriu que ao reconstruir o corpo de um ser consciente falecido, armazenado no banco de dados de um tele transporte, a alma original era atraída para ele, ressuscitando por completo aquele ser. Desde então milhares de pessoas, de diferentes raças, foram salvas da extinção imposta pela GOE. Mas a guerra jamais virou a favor dos orgânicos. É impossível vencer aquela inteligência artificial alto-replicante.

Já os ecossistemas dos mundos de Nobiloria foram totalmente perdidos. Animais e plantas replicados pelos sistemas de tele transporte não recuperam suas almas. Tudo o que Esperança tinha eram sementes e embriões congelados dos últimos cinco mundos da Resistência Orgânica. Amostras para terraformar novos mundos na grande espiral galáctica em torno da qual Nobiloria orbita. A Via Láctea.

A grande fuga não seria executada por Sinuhe. Para controlar a nave durante a viagem até a Via Láctea foram criadas cinco equipes de pilotos, cada uma com dez indivíduos. Quatro delas estão armazenadas nos bancos de dados. O tempo estimado de vida de cada equipe era de 150 anos. Considerando que a vigem deverá durar 416 anos, Esperança tinha uma equipe reserva. Todas elas são compostas de cetáceos alterados geneticamente. 

A Resistência Orgânica fora incapaz de criar mecanismos imunes a interferência e controle da GOE. A única força capaz de se opor à inteligência artificial foi o pensamento orgânico. Num dos planetas sobreviventes foi descoberta uma raça de golfinhos com capacidades tele cinéticas e telepáticas latentes. Quinze gerações depois, os cientistas obtiveram por meio de seleção genética, mentes capazes de criar campos de forças, mover naves e esconder a presença de cidades inteiras. Seres inteligentes que se voluntariaram para salvar vidas e civilizações, mas que surgiram muito tarde no cenário da guerra.

Esperança está totalmente camuflada dentro do campo psíquico de seus pilotos, protegida dos avançados meios de detecção de artefatos tecnológicos que a GOE espalhou por toda Nobiloria. Entretanto, as distorções provocadas por um objeto em dobra espacial não podem ser camuflados por campos psiônicos. Seus motores de dobra espacial só poderão ser ligados quando ela estiver a mais de 100 anos luz de distância da galáxia anã, para não correr o risco de ser detectada. A jornada de Esperança terá que começar com um meio de propulsão alternativo e natural.

Um brilho surgiu na ponte de comando humanóide de Esperança chamando a atenção de Sinuhe. Era a projeção mental de Mersonii, o capitão da equipe de golfinhos.
Além do Capitão Mersonii, a equipe de pilotos psíquica era composta por: Trópia, a vice capitã; Visidii, o navegador; Hectori, oficial de comunicações; os gêmeos Steno e Stenella, oficiais de tático e defesa; Teuszii, o engenheiro; Plumbea, oficial de astrometria e Nensis, médica e psicóloga da nave. Mas todos eles tinham uma função em comum. Eram a fonte de energia do poderoso campo de força e dos propulsores psiônicos da nave. Seus corpos estavam presos em animação suspensa dentro de cápsulas inundadas com nutrientes. Mas suas mentes eram livres para manifestarem-se em qualquer ponto de Nobiloria. Dentre eles, Plumbea era a mais capaz neste quesito. Ela podia até vasculhar a Via Láctea a 160 mil anos luz de distância.       

 A voz de Mersonii soou mansamente dentro da mente de Sinuhe:

- Chegou a hora, Marechal Sinuhe. Dentro de 156 minutos o quasar de Nobiloria irá disparar um feixe de energia em direção à Via Láctea. Se perdemos esse só teremos outro daqui há 30 meses.

- Não podemos perder essa “onda”, meu amigo. Sinuhe respondeu em voz alta. Não se acostumara ainda aos diálogos silenciosos com os golfinhos - Surfar na ponta do feixe de um quasar a 97,7% da velocidade da luz. Minha mente não acredita que o campo mental que vocês criam é capaz de suportar tal força, protegendo e guiando esta nave, apesar de todos os cálculos e simulações que eu mesmo fiz e vi.

- A nave tem apenas um décimo do diâmetro do feixe. Suportaremos muito estresse no começo, mas uma vez imersos na ponta, aceleraremos os propulsores psiônicos que nos manterão a uma distância segura da massa mais crítica de energia quântica o que também estabilizara a nave. Mantendo essa velocidade por 103 anos, chegaremos a 100 anos luz de distância de Nobiloria. Neste ponto ligaremos os motores de dobra espacial e saltaremos com segurança para a Via Láctea.

- Um salto de 313 anos em dobra 9. Neste ponto Mersonii, os mundos da resistência já terão caído. Só espero que sem opositores em Nobiloria, os olhos gananciosos da GOE não se voltem para a Via Láctea.

- O objetivo dela é a nossa extinção. Se não souberem que estamos lá, não irão nos perturbar.

- Tomara que você esteja certo Mersonii. Que Nob, a mãe de todas as estrelas, nos proteja nessa viagem.

- Ela olha por todos nós, Marechal.

- Vocês tem notícias da frente de batalha?

- Sim, Plumbea mantém discreta vigilância e compartilha tudo conosco. Seu original evitou a queda de Altalun por mais uma semana.

- Por mais uma semana. Um planeta por vez, uma tentativa por semana. Estamos a vinte séculos vivendo essa rotina de batalhas sistemáticas. Perdi a conta de quantas comandei e só Nob sabe quantas mais meu eu original terá que comandar até que o último mundo caia. Quando eu for reconstituído na Via Láctea, será que minhas almas se unificarão e me darão essas lembranças?

- Eu espero que não, Marechal. Creio que seriam lembranças pesadas demais. Os últimos dias dos orgânicos em Nobiloria não serão agradáveis.

- Sou o único humanóide que foi reconstituído estando ainda vivo. Minha alma partiu-se em duas por si só, para habitar esse segundo corpo e, aparentemente, sem danos ao original. Agora que vocês vão me “armazenar”, minha alma voltará ao verdadeiro Sinuhe? Levará o que vivi até ele?

- Não tenho essas respostas, meu amigo. Você está pronto?

- Sim. Adeus, Mersonii.

- Adeus, Sinuhe.

Com a força de sua mente, Mersonii acionou os controles do tele transporte. Sinuhe ficou imóvel e desapareceu lentamente o ar. Seu corpo virou mais alguns milhões de bits nos bancos de dados de Esperança enquanto que sua alma voltou ao Sinuhe original.

CONTINUAÇÃO


     

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